Voltei para casa com aquilo na cabeça. Desenvolver um texto. A história da Língua em minha vida. Estranho. Apesar de estar agora na faculdade de Letras, não tinha parado para pensar na importância da Língua na minha trajetória. Algo tão importante e tão necessário, porém desvalorizada das reflexões diárias.
Na rua, saindo da universidade, vi um morador de rua aparentemente alcoolizado brigando com prostitutas. Talvez seja isso, essa constante assimilação de tudo que vemos e sentimos sem expressar indignação. E se sentimos isso em relação ao cotidiano violento em que vivemos, as reflexões ficam esmagas pela brutalidade do cotidiano que se repete dia após dia, como se o próprio sol batece seu cartão de ponto.
Quando já estava na Marginal (talvez a velocidade com que dirigia me tenha ajudado a voltar tanto assim no tempo) lembrei-me da dificuldade que eu tive para dizer um “oi” para a menina mais bonita da pré-escola. Fiquei vermelho e todos riram. Mas nessa época, doce infância, ficava tudo certo mesmo depois de uma briga por alguém ter ofendido sua mãe ou coisa parecida. Acho que já nessa idade temos noção do poder da Língua, que poderia render um beijo na bochecha na hora da saída, ou então um olho roxo.
Falar é fácil. Nem tanto. Para alguém tímido, é uma espécie de camisa-de-força, pois te impede de fazer várias coisas. E na adolescência pior ainda, pois envolve o sexo oposto. O que fazer? Simples: falar. Por isso entrei no grupo de teatro do colégio que eu tanto tinha raiva, via ali a possibilidade de me tornar fluente em algo que detestava: expor-me. O empurrão foi dado pela própria professora do teatro que procurava alunos que tocassem violão. Aceitei, mas meio com o pé atrás, porque eu tacava meus acordes somente entre as paredes do meu quarto.
Agora passava pela ponte estaiada, que está parecendo aqueles palcos de bandas gringas que tocam em estádio de futebol e nem de longe lembravam os lugares fuleiros que tocava quando montei minha banda de rock. Me sentia bem no palco. Cantava canções que eu próprio compunha. Para não perder mais as composições (nas folhas de caderno, no verso de informe publicitário e até de pão), comprei um caderno que guardo até hoje com tudo lá. Quando chegar em casa irei até pegá-lo para lembrar das barbaridade que dizia no microfone.
Já em casa, ao desligar o motor do carro, o silêncio da quente noite paulistana era um alívio, pois meus pensamentos tagarelavam sem parar. Pode ser que tenha escapado e fiquei falando sozinho. Não tinha me dado conta do quanto a Língua já tinha feito por mim, simplesmente porque ela é meu instrumento de trabalho. Sou professor de história desde 2001 e talvez agora seja meu agradecimento tardio dar início ao curso de Letras. Como algo reparador. Agora não sei se devo escrever tudo agora antes de dormir. O que será que tem na geladeira?
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