29 janeiro, 2008

Vamos para o Paranoid Park?


Pesquisa proposta no Rio Grande do Sul, pretende analisar a atrofia do cérebro de jovens infratores internados. Está em jogo, mais uma vez, tratamento e cura contra o homicídio, as drogas... No confronto entre proponentes e contestadores, retorna a velha oposição entre progresso da ciência e cuidados humanistas com experimentações. As contestações, neste caso, referem-se à eventual atualização da discriminadora e científica teoria lombrosiana sobre feições e a tese da deficiência de discernimento moral por aqueles que apresentam problemas no frontal.

O debate entre os antagonismos é salutar, mas restrito. A execução do projeto requer procedimentos novos como a fiscalização do cumprimento de requisitos éticos na pesquisa, a introdução de recompensas para obtenção do consentimento do objeto de estudo (os infratores), as maneiras como os pais e responsáveis agirão para dar ou não permissão aos procedimentos de pesquisa... Será que com tudo isso a pesquisa trará novo entendimento sobre tratamento e cura livres de uma ultrapassada conceituação baseada em raça, normalidade, violência...? O debate precisa ser ampliado para se alcançar explicações iniciais mais exatas, ultrapassando os limites restritos a jovens infratores internados, geralmente pobres e miseráveis.

Em Paranoid park e Elefante, filmes do mesmo diretor Gus van Sant, nota-se que jovens de classe média alta também podem matar por acidente ou por decisão; muitas vezes carregados de preconceitos explícitos, outras de vontade de mimetismo dos jovens pobres e miseráveis, por eles vistos como os mais livres. Está em jogo o assemelhar-se, a aceitação da incitação recíproca, o girar em torno de si, as condutas que levam ao informe, cujo resultado é o aparecimento do perdedor radical, aquele que mata e se mata. Qual cérebro, então? Há um mesmo cérebro humano no passado e no presente cuja atrofia é inerente ao sujeito, ou esta atrofia pode ocorrer derivada de efeitos histórico-sociais? Até que ponto a atrofia não reconhece o não matarás!?

Ultrapassar os antagonismos em favor de relações agonistas de poder é ir adiante e problematizar também as noções de tratamento e cura. É compreender como nas sociedades de controle se medicaliza ou se vigia eletronicamente para normalizar o normal, com um misto científico de bioquímica e física, de nanotecnologias, mapeamentos de todos os seres vivos.

A pesquisa proposta no Rio Grande do Sul, menos do que renovar o debate científico, explicita os mesmos interesses sobre a mente de pobres. Sabe-se, pela filosofia e pelo cinema, que eles ameaçam a boa sociedade menos por suas ações do que pela maneira como habitam o oco, mofado e restrito cérebro de jovens de classe média alta, com o seu próprio oco, mofado e restrito cérebro.


Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SPno. 93, janeiro de 2008. http://www.nu-sol.org/

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