Por Cássio Starling Carlos (blog Cacilda)
O medo da natureza e de suas forças fora do controle é umas das fontes de nossa imaginação a respeito dos vampiros, cujas manifestações já andavam pelo mundo desde as origens humanas, mas só ganham nome, sobrenome e endereço no início do século 18. A partir daí, sua presença no imaginário popular se tornou cada vez mais comum e se consolidou definitivamente com a figura romântica e dolorosa do “Drácula” de Bram Stoker.
Depois que este ganhou as telas, nos anos 20, mal disfarçado como o desesperado apaixonado “Nosferatu” do alemão Murnau, o cinema virou
seu castelo assombrado predileto. Nele, Bela Lugosi e Cristopher Lee (só para citar meus favoritos) encarnaram o monstro que mais adoramos temer e gelaram o sangue de muitas gerações.
E não adianta rezar o terço, carregar crucifixos, colares de alho, expô-los à luz solar nem cravar estacas em seus corações. Um dia eles sempre voltam.
Desta vez, voltaram como uma família em “Crepúsculo”, com sua historinha de amor impossível entre um vampiro eternamente teen e uma estranha, mas interessante, garota da escola. O sucesso da série de livros de Stephenie Meyer explica-se, em parte, pelo recurso ao truque infalível de folhetim que assegurou o sucesso global de “Harry Potter”, com a progressão geracional e o universo fantasma recheado de símbolos da vida como ela é.
O problema é sua versão para o cinema, exangue, para dizer o mínimo.
A idéia de “vampiros vegetarianos” trazida pela autora da série de livros é sintomática. Depois do advento do sexo seguro, do café descafeinado e da realidade virtual, o vampirismo que poupa humanos é mais uma evidência da realidade sem riscos que estamos inutilmente tentando inventar.
Um vampiro sem sangue humano, contudo, perde justamente sua essência, o mal, ou seja, aquilo que faz dele o monstro que adoramos temer. Um vampiro que não morde e não contamina é como sexo virtual: inodoro e sem riscos mas também ineficaz.
Valores modernos, reflexos de uma nova castidade, andam dizendo. Tempos estranhos, prefiro pensar, em que até o mais indomesticável dos monstros, sexual em todos os sentidos, reaparece como beleza gelada, foco de amores platônicos e que recusa o sexo porque é ali que mora o perigo.
Cristopher Lee
Mais estranho ainda que a encarregada de converter todo esse idealismo numa imagem adequada tenha sido a diretora Catherine Hardwicke. Em seu filme de estréia, o interessantíssimo “Aos Treze”, Hardwicke quebrava tabus incorporando ao mainstream muito da estética e da moral de ruptura do “Kids”, de Larry Clark.
Sua protagonista era “a” adolescente: perturbada, incômoda, sexual, sem limites. Um pouco de lição de bons costumes no final de “Aos Treze” nem chegava a atrapalhar o retrato bem bruto que a diretora desenhava.
A habilidade da diretora de lidar com o universo adolescente se confirmou em “Os Reis de Dogtown”, sobre a cultura surf e skate na Califórnia no início dos anos 70.
Nosferatu (1922), de F. W. Murnau
Nada disso reaparece em “Crepúsculo”, em que o auto-controle dos vampiros diante dos humanos se reproduz no modo desinteressado como a diretora executa a encomenda.
Boa notícia é a saída de Hardwicke do projeto de “Lua Nova”, segunda parte da série. Com a entrada de Chris Weitz em seu lugar, fica claro que o diretor de “Bússola de Ouro” vai saber manter os riscos bem afastados dos fãs da série os medos do sangue e do sexo, esse pouco de natureza que insiste em nos perseguir.
Um comentário:
OQ AH NAUM ATÉ O MAL AGORA ESTA CAINDO EM DECADENCIA É INACREDITAVEL JUSTO O MAL QUE É TAO LEGAL!!!!
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