Em vez de Loki, o título do documentário que conta a tragédia de Arnaldo Batista, podia ser: “A capacidade que determinadas mulheres têm para foder com a vida de determinados homens”. Pelo menos a Rita Lee não apareceu no filme para dizer que o coitado que ela resolveu apagar dos seus registros é um gênio. Achei honesto da parte dela. E, para ser sincero, não podia esperar nada diferente de uma senhora que acende incensos, reza para alfaces hidropônicas e condena os consumidores de chuleta ao fogo dos infernos. Parceirinha do Jabor. No documentário, algumas pessoas dão depoimentos sinceros, e confessam a incapacidade diante do desconhecido – o que já é alguma coisa ou pode ser coisa nenhuma, depende do ponto de vista.
Paulo Henrique Fontenelle, o diretor de Loki, costurou bem os labirintos que levaram Arnaldo Batista a si mesmo, mas podia ter evitado o deslumbramento diante de depoimentos de bichinhas internacionais e quiméricas do feitio de Sean Lennon, não precisava disso. Já temos as nossas, muito mais dispensáveis e muito mais afetadas, era só chamar um DJ da MTV e pedir para ele falar meia dúzia de redundâncias, e pronto.
Penso que a única pessoa que tem autoridade de fato para se manifestar com relação à tragédia que aconteceu na vida de Arnaldo Batista (além do próprio), é a mulher que o resgatou da UTI e que cuida dele até hoje. Como se a atual governanta de Batista fosse o avesso da Rita Lee, sendo que as duas – passados os anos - acabaram ficando uma com a cara da outra. Curioso, né?
Agora, o que me deixou transtornado foram os caroneiros e sanguessugas. A figura que não desgruda da minha mente é Nelson Motta. Sempre ele, de óculos escuros, nos lugares certos e nas horas adequadas – tirando sua casquinha. Virou oráculo. Só no Brasil mesmo, a gente merece ter um oráculo das casquinhas. Quem viu o documentário “Cartola” deve lembrar de Nelson Motta, quase um garoto, entrevistando o autor de “O mundo é um moinho”: em dado momento, não sei se foi antes ou depois de fazer uma média com o fascistão do Roberto Carlos, Motta atribui uma certa “realeza” ao sambista. A meu ver, algo tão sórdido e repulsivo quanto as sífilis e gonorréias e o apodrecimento de Cartola em vida. Aquele velho discursinho feito à clef - ontem e hoje, desde sempre - para o deleite e consumo do público lírico e asqueroso do Cine Unibanco. Uma bravata que serve – já escrevi sobre isso, mas vou repetir: - para aplacar conscienciazinhas pesadas. Uma mentira que desde sempre rendeu subsídios simpáticos e muito prestígio para aproveitadores do gênero. Hoje virou política de estado no Governo Lula; estamos, enfim, atolados até a medula nessa merda generosa - às vezes admirável e iluminada (reconheço) - chamada cultura popular brasileira. Ou, como diz o próprio Cartola, “Corra e venha ver o sol”.
Corra de quem? Da polícia?
Nelson Motta nunca precisou correr da polícia, e de ninguém, sempre foi ao encontro do aconchego. Motta é o homem cordial. E, é claro, não podia deixar de escrever a biografia de Tim Maia, e de dar seus pitacos sobre Wilson Simonal, dessa vez como entrevistado. A sentença de Motta: “Simonal era um gênio, Tim Maia também, bastava fazer três pedidos a ele. Arnaldo Batista o maior de todos”.
É muito fácil – depois de quase 40 anos - chegar a essa conclusão esparramado numa chaise-longue. E quando eles estavam vivos e gritavam “eu posso voar” quem é que lhes dava asas, crédito?
Eu só queria ver Nelson Motta, nos 70’s, proclamar que Simonal era um gênio. O documentário do “seu Creysson” defende a tese de que Simonal não era um dedo duro, porém tinha licença para ser um filho da puta. Até aí, nada demais. O problema é que, na época em que Arnaldo Batista enlouqueceu e que Simonal foi apagado do mapa, e que Tim Maia foi proibido de pisar na Rede Globo, nem Nelson Motta nem nenhum outro oportunista deram um pio. Omitiram-se, enfiaram o respectivo rabinho de grife entre as pernas. Não ia ser “bacana”, e eles, Motta e assemelhados, são caras antenados, legais e descolados. Jamais comprometeriam osavoir-faire, eu acho que é assim que funciona. Né? Dá nojo.
texto completo de Marcelo Mirisola:
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