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24 julho, 2010

A mercê das manhãs


Eu, pecador
me confesso
nessa manhã de domingo
voltando do banheiro
e pedindo um croque monsieur
Eu voltei pro alcoolismo
se tenho que ver essa garota linda
quase etérea no balcão
intimidando meus passos
a carinha de Juliete Binoche
perguntando: “o que cê tá fazendo?”
“você não tá gostando?”
“continua”.
meus dedos roçando suavemente
o lóbulo de sua orelha
atravessando a cidade
morrendo no balcão de uma padaria
Tenho a bandeira brasileira na porta do meu quarto
e um 38 na gaveta do criado
Tenho os olhos injetados
quando leio um poema do Del na frente do hotel
não preciso beber vodka
ninguém vai cheirar meu hálito quando eu chegar em casa
não tem ninguém esperando por mim nessa manhã
peço um corn flakes e misturo com cerveja
Se esse poema parece um epitáfio
é porque descobri que só é possível morrer
quando os deuses se distraem
Vou entrar num restaurante coreano
e pedir um karaokê
Me parece um bom lugar pra morrer


(Um bom lugar para morrer, novo livro de poemas de Mário Bortolotto)

09 dezembro, 2009

Não te quero... (Pablo Neruda)


Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Talvez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo. Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

20 agosto, 2009

El Poeta Dice La Verdad


Quiero llorar mi pena y te lo digo
para que tu me quieras y me llores
en un anochecer de ruiseñores
con un puñal, con besos y contigo.

Quiero matar al único testigo
para el asesinato de mis flores
y convertir mi llanto y mis sudores
en eterno montón de duro trigo.

Que no se acabe nunca la madeja
del te quiero me quieres, siempre ardida
con decrépito sol y luna vieja.

Que lo que no me des y no te pida
será para la muerte, que no deja
ni sombra por la carne estremecida.



No dia 19 de agosto de 1936, o poeta espanhol Federico García Lorca foi fuzilado à queima-roupa por fascistas espanhóis.

17 agosto, 2009

Hilda Hilst - o espírito da coisa




É crua a vida. Alça de tripa e metal.

Nela despenco: pedra mórula ferida.

É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.

Como-a no livor da língua

Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me

No estreito-pouco

Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida

Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.

E perambulamos de coturno pela rua

Rubras, góticas, altas de corpo e copos.

A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.

E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima

Olho d'água, bebida. A Vida é líquida.

Alcoólicas (1990)

02 maio, 2009

Uma do Itamar:

DO ALTO DOS QUARENTA E QUATRO

Do alto dos quarenta e quatro

miro meu retrato de anos atrás.

Tenho ar preocupado, um riso forçado...

num branco sem paz.

 

Do alto dos quarenta e quatro

tiro meus sapatos, ando pelo cais.

Mais lúcido que alucinado,

aprendi um ditado: “Prendam Barrabás!”

Vivo entre verso e prosa, ataque e defesa.

Vivo muito mais.


Itamar Assumpção

(retirado do blog do Mário Bortolotto)

19 março, 2009

¿QUÉ TEMPESTAD se acerca y no la escuto?
¿Qué centro se aleja y me vacío?
La luz, la nieve,
la cumbre de azul despavorido,
las garzas de Cuitzeo,
el hilo breve
que deslumbra al músico y al escriba.

Materia del oído y materia que se ausenta.

Las cosas tienen la oscuridad
o el sol de quien las nombra,
poseen cuervos o muñecas
como los líricos gestos del delirio.


Julio Eutiquio Sarabia

07 março, 2009

MAÇÃ

Por um lado te vejo como um seio murcho
Pelo outro como um ventre cujo umbigo pende ainda o cordão placentário
És vermelha como o amor divino
Dentro de ti em pequenas pevides
Palpita a vida prodigiosa
Infinitamente
E quedas tão simples
Ao lado de um talher
Num quarto pobre de hotel.

Manuel Bandeira.

17 fevereiro, 2009

Página 122

imaginação é a memória que enlouqueceu. 

Mário Quintana

26 junho, 2008

O Estalo (ou Já que ela não tem um blog...)

...Seu olhar se dirige a uma cena que parece querer juntar esses dois mundos. Uma criança no colo de alguém do lado de fora, na chuva, se agarra a essas grades e não parece querer soltar. Do lado de fora, tentando penetrar nesse arco de proteção que o separa de um mundo a qual não pertence, essa criança (ou qualquer uma) não entende posições ou diferenças, portanto diferentemente de todos que passavam sem se importar com o que acontecia, ela percebe que há outra realidade, assim como há alguém do lado de dentro da grade, que consegue ver a sua. E é esse mesmo menino de colo que transpõe uma barreira que protagoniza a cena mais inesperada para o momento e lugar que se encontra: ele sorri de uma folha que estala na árvore. E há três elementos a serem comentados nesse verso. Primeiro, o fato de alguém sorrir, o que significa uma reação de alegria, ação essa que parecia impossível diante de todo o cotidiano das pessoas relatado no poema. Segundo é o fato de alguém notar, em meio a tanto caos e confusão, a árvore, elemento esse esquecido e ignorado por qualquer morador de grandes cidades. E terceiro, o fato de alguém sorrir de algo que acontece a todo o momento em qualquer árvore, o estalo de uma folha, um episódio tão corriqueiro que nem contemplamos da forma como deveríamos.
Karla Ribeiro
trecho do ensaio sobre o poema "Arco de Proteção"
de Heitor Ferraz