29 junho, 2009

Incerteza

Pego o violão
estava esquecido no encontro de dois lados do quarto
as cordas velhas pedem clemência
afino com as notas que guardo em meus olhos fechados

componho uma música
com os acordes dissonantes de sempre
eles fazem aumentar minha melancolia
aditivo para sentimentos desolados

um gole a mais de vinho
que minha garganta estrangula
abro outra garrafa
a tristeza tem sede

ela
figura que passeia na lembrança
estragou todos os relógios
estão todos errados

28 junho, 2009

Resistência

Com a sensação de estar amanhecendo
minha alma escurece
luto para não desfalecer no caminho
escancaro a janela e aumento o som

dou risada sozinho
canto errado
dou tapinhas no rosto
tento não dormir

falhei em mais uma tentativa
de aplacar minhas ilusões
como posso andar impune por aí
espalhando minha embriagues?

a claridade já domina o horizonte
de súbito um abatimento, uma lembrança me abraça
seria bom encontrar aquele sorriso
acompanhada (em minha mente) de um echarpe rosa

Justine

27 junho, 2009

Guia

Acordo com a chuva
abro a janela
se forma uma máscara de água em meu rosto
ainda não amanheceu

um mirante é meu quarto agora
miro-a em meu pensamento
não tem como ser diferente
um sorriso irradiante, foi o que eu guardei

meu olhar se deparou com o olhar dela
fiquei sem jeito
mas, como posso impedir que o dia amanheça?
pareço Major Tom perdido na peculiaridade espacial

me lembro que ontem, com o carro em movimento
coloquei a cabeça para fora
deixando que o vendo desfigurasse meu rosto
gritei bem alto o que acho que é seu nome

25 junho, 2009

Alô?!?!

O telefone toca
ninguém atende
quem está do outro lado
me retornará após o terceiro toque

aguardo notícias
um pressentimento me esmaga
puxa minhas tripas pela garganta
e as passa em volta do pescoço para me sufocar

o telefone toca
sei quem é
as frase são incompletas
quase sem sentido

desejo te ver pessoalmente
“assim” não posso falar
minha voz não está normal
preciso te contar uma coisa

21 junho, 2009

Cachos

Não existe voz mais doce
no som costuro sua imagem
na agulha alio meus pensamentos
assim eles não se dispersam

estou sem linha
mesmo assim miro o orifício do fino aço
é nele que tenho que passar
e por onde tudo acontece

na verdade mal escuto sua voz
o lugar é muito barulhento
quase grito a noite inteira
sabia a música de cor quando fechava os olhos

por mais que me esforce
minha embriaguez não vem
a manhã chega rasgando
no carretel enrolo minhas palavras desalinhadas

20 junho, 2009

Apagando o desenho de suas costas da minha cabeça

Estava rindo sozinho
lembrando em retalhos
repetindo para mim mesmo
as linhas que escrevo

existem mais vozes
como uma feira-livre
tumultuando a claridade
disfarça que estou sóbrio

tomo um choque
ao por o fim da embriaguez no chão gelado
vou até a sala
tentando encontrar a cozinha

uma hora teria que ir embora
chegar na última estrofe
aciono o botão do elevador
mas desço as escadas

16 junho, 2009

As notas do violão

Bato a cabeça na parede
três vezes
sai um som
parecido com aquele instrumento musical de banda infantil

me recomendaram beber água
para hidratar
me inundo e quase me afogo
meus pensamentos ficam alagados

me olhei no espelho
não pedi desculpa
que burrice
esmurro a pia

não está tudo bem
e não tenho previsão de melhora
tenho que desligar
acho que estou sem crédito para telepatia

Silêncio, por favor

Tenho febre
mesmo que o termômetro diga que não
melhor então não medir a temperatura
quero passar o dia na cama

um vulto que vi na madrugada me persegue
diz coisas
e sua voz é mágica
parece estar presente em todas as rádios

digo para mim mesmo não me importar
mas é mentira
digo para mim mesmo que não é verdade
mas não quero que acabe

o dia passa sem muita precisão
as horas passam e apagam seus desenhos
desligo as luzes da casa e abro a cortina
talvez apareça uma idéia clara

15 junho, 2009

De: sábado; para: domingo

Subir correndo dois lances de uma escada em espiral
acho que é assim que me sinto agora
pelo menos uma parte de mim
e é aquela que me prende ao chão

quando eu acordo não consigo ser legal
tento ser claro – e isso é forçar a barra
mas para que servem as metáforas?
alguém tem que ser capaz de compreendê-las

às vezes não quero ver o filme se já li a história
quero guardar as personagens
poder tocar a tela, beijar a projeção, tem
o poder de apagar uma biblioteca

ao descer (ainda ofegante) os degraus
não é possível ver seu fim
como se os personagens de um conto
não quisessem que terminasse a história

Planet Earth is blue, and there's nothing I can do

Gostaria de guardar alguns minutos no bolso
coloco as mãos nas orelhas
para ver se elas me contam seus segredos
tento alcançar algo por ali

aos poucos recordo o que tinha acontecido
como as roupas que estão espalhadas
e encontram o meu corpo
me visto e pareço estar inteiro

sinto vertigem, não acredito
toca o telefone para lembrar quem sou
preciso sair da cama
como é triste recuperar os sentidos

não adianta
sonhos nunca são lembrados na totalidade
sempre falta alguma coisa
e por isso são mágicos

08 junho, 2009

Sala de espera

Sentia-me pronto para a entrevista
acho que seria bom chegar antes do horário marcado
a idéia se mostrou péssima
não sabia o que fazer com o tempo excedente

levei um livro
mas não me concentrava na leitura
fui tomar um café
que além de não tirar o sono, trouxe agonia

o que era uma manhã tranqüila
transformou-se num pesadelo
saí do prédio e dei voltas no quarteirão
voltei todo suado

me apresentei na recepção
fui avisado que a tal entrevista iria demorar
“a encarregada saiu para o almoço”
engraçado, nunca tinha sofrido de pressão baixa

El Hijo Fingido

04 junho, 2009

Navalha

Comecei aos quinze
passei dez anos fora
lembro desta época como um sonho
alguns flashes borrados e sem ordem

arrependo de me perder tanto tempo
deteriorando minha alma
afogado em uma embriagues constante
agora estou na orla recuperando fôlego

o tempo passa mais rápido do que gostaria
e não consigo me secar
ando por aí molhado
encharcado dessa época de escuridão

escuto as pessoas dizerem que não se arrependem do que fazem
e que fariam tudo outra vez
eu não: me arrependo o tempo todo
como se o amanhã existisse em função da cura de minhas tolices