27 abril, 2011

Vincent Price


Desperto, o teto na penumbra
giro, deito de bruços
cerco meus olhos com o travesseiro
sinto meu rosto formigar

na verdade tem algo vivo nele
algo querendo sair
caio no chão, bato a cabeça no armário
um ruído horrível

alguém abrindo cascas de amendoim
se digladiam
a fronha se rompe e elas fogem
se espalham, parecem estar famintas

a porta do quarto não abre
escuto novamente o barulho
mais alto, ensurdecedor
está vindo do colchão king size


25 abril, 2011

Burj Dubai


E de repente
imagino que essa poderia ser ela
essa outra também
e mais essa

talvez fosse
resolvo perguntar
ela sorri
diz que sim

pergunto para outra
que balança a cabeça positivamente
é verdade, reconheço-a pois seu rosto não existe
é um borrão

reparo que o coletivo tem asas
as rédeas do monstro são puxadas, se enfurece
pousa no prédio mais alto da cidade
o bicho faminto devora todos os passageiros



21 abril, 2011

Quem tem medo de Virgínia Woolf?


Para os desavisados
estou enlouquecendo
para os que me conhecem
sempre fui louco

perdi mesmo o senso de razão
podem me internar
uma temporada
uma primavera

quero tomar sedativos
fazer terapia
dinâmicas de grupo
choques elétricos

depois disso estarei curado
vou casar e ter filhos
sorrir na Europa em fotografias digitalizadas
vencer na vida, pois a catarse é morrer


19 abril, 2011

Quebra cabeça


Você tem essa mania
se esconde de mim
me mostra a lua
e o Lago Paranoá

porém,
veste com gosto esse véu
só me é permitido ver os seus olhos
deve ser tradição de família

carrego explosivos
na mão direita uma flor
para o caso de um Revolução
estaremos na linha de frente

por favor,
me deixa te desnudar
antes que o exército inimigo chegue
vamos saborear a Liberdade



18 abril, 2011

Arranjo


O maestro entra em cena
todos de pé
é o que sempre acontece
quando ela desponta no horizonte

nos seus cabelos
deslizam os arcos
a melodia do violino e a tessitura do violoncelo
desmancha o coque como o arpejo de uma harpista

quero tocar seus lábios
como num oboé ou clarinete
te deixar sem ar
me deixar sem ar

acaba o primeiro movimento
desavisados batem palma
o entusiasmo ecoa na plateia
auto-controle é algo raro em mim



14 abril, 2011

Estação Grajaú


A
claridade da manhã
chega sem misericórdia
invade a estação
enquanto desço a escada rolante

quero sair deste vagão
muitos querem entrar
as palavras me empurram
minha lapiseira me puxa

há, essa claridade impiedosa
é a mesma que te faz sorrir
quando abre sua janela
é assim que imagino nosso encontro

nossa maluquice
ficaria boa em qualquer poema
pois quero que saiba
que não há nuvens no céu


12 abril, 2011

Offline


A
s estrelas
são o meu protetor de tela
as paredes
pulverizadas quando escuto sua voz

você desliga o telefone
economizamos no interurbano
eu saí no prejuízo
pois ainda tinha algo a dizer

e o que eu não disse
você não precisava dizer, mas disse
melancolia só é boa em poemas
no cotidiano ela é só amargura

a minha disfarço numa folha de papel
mesmo que seja uma tela de computador
quando digo que te quero
te quero mesmo


Não adianta fincar os pés


No dia seguinte
parecíamos dois estranhos
ela levantou sem dizer uma palavra
eu não tive coragem para tanto

fez o café
colocou na minha xícara
até transbordar
escorreu pela mesa

não abriu as cortinas
nem as janelas
o café esfriou
não abriu o jornal

voltou para a cama
e desatou a chorar
saí na ponta dos pés sem me despedir
não imagino a dor de sua perda



11 abril, 2011

Brincando com os pêlos do seu corpo


Me mordeu no pescoço
puxou meus cabelos
apertava meus seios em desespero
o meu batom estava por todo seu rosto

não queria que parasse
e quando ameaçava fazê-lo
sussurrava para continuar
e ele continuava

eu estava exausta
ele também
isso durou mais algumas horas
e foi assim durante uma semana

no aeroporto lhe comprei uma garrafa de vinho
se embriague, eu disse
nos abraçamos
a eternidade nunca foi tão cruel



10 abril, 2011

Faça um pedido


Saio de casa
esqueço as janelas abertas
não estou aí para dizer o que sabe
o silêncio impera durante o dia

chega a tarde
sufoca minuto a minuto
olho o relógio
sufoca minuto a minuto

a lua atente ao meu pedido
e surge preguiçosa
chegando em casa
vejo que a porta está aberta

é você
chegou sem avisar
mas pelo visto está de saída
vai levar um bom tempo para eu me acostumar


08 abril, 2011

Duas sacolas de plástico para as cervejas


Certas coisas tomam desdobramentos estranhos
parecem labirintos
sem nenhuma migalha de pão
para marcar o caminho

Ariadne e Teseu
nunca se perderiam em Santo Amaro
ela é o novelo
e sua presença destoa e ilumina

Dédalo aqui se sentiria em casa
ladeiras e bifurcações
boates e igrejas
ambulantes no metrô

daqui do quarto andar
ninguém se esbarra
uma piscadela
e ela não está mais lá



07 abril, 2011

Tranquilidade quebrada


Tonalidades de azul escuro no céu
perto do cinza
frio abafado
a umidade invade os pulmões

acordei meia hora mais cedo
resolvi ir caminhando para o trabalho
péssimo dia para isso
desabam as constelações

o esforço de semanas
reduzido a borrões
se esfarelam
diluem

corro para um ponto de ônibus
pego o primeiro que aparece
não sei para onde vai
espero que para bem longe



05 abril, 2011

Eu me viro, sempre me viro


Calma, calma
me tenta, você
uma procurada
atrás de uma cifra que eu escrevi

eu pego os versos e alguns acordes
pra ti, esse novo
na verdade era um desses versos de acordes
mas encaixou tão bem

provavelmente eu olharia pra você na rua
e o que não se fazia antes
se faz depois
isso me alivia

gosto do teu impulso
impulso é uma palavra tão sexy
acho que a maioria das palavras que tem r eu gosto
força, sussurro, suspiro, surto


Falta muito pouco


C
huva na estrada
retomo a atenção
preciso que parar de me distrair
posso causar um acidente

as cidades passam rapidamente
minha velocidade redobrada
não faz nenhum sentido
agora essa estiagem

posto de beira de estrada
bem fuleiro
peço um café
o copo americano vem molhado

do bolso da calça jeans tiro sua carta
nela tem um mapa
observo a distância que nos separa
parece pouco agora



04 abril, 2011

Brasília


Surge do nada
de outra cidade
com sua enorme mochila
entra no vagão do metrô

ajudo em desequilíbrio
esbarro nas pessoas
ela sorri, agradece
peço desculpas

me pergunta algo
aponta no mapa
não sei onde é
mas me esforço para dizer algo

é na próxima estação
não deveria ter dito isso
mas disse e ela vai
sem nenhum aceno

03 abril, 2011

Garrafa de vinho


Mudou o destino daquela garota
lábios e dentes levemente escurecidos
sua cabeça girava
não parava de sorrir

tinha um plano
sempre tinha um
realizava todos
mesmo que em sonhos

transmitia sua alegria por telepatia
alguém numa cidade
bem lá longe
poderia captar sem precisar de parabólica

escreveu um bilhete
voltaria em alguns dias
talvez meses
o sol brilhava muito naquela manhã