26 dezembro, 2012
Sintonia
Olhos verdes
cabelos negros
surgem na escada rolante do metrô
ela veio salvar o meu dia
mas como pode?
alguém tão doce
tão linda
se interessar por alguém como eu?
toco os meus discos
abro dois vinhos tintos
e ela adormece em minha cama
minha mente acesa como um estroboscópio
mais uma insônia
um gole de whisky
um cigarro na janela
e uma cicatriz nos versos
01 dezembro, 2012
Reabilitação
Um acidente
fiquei imobilizado por dois meses
falta percepção
conseqüência do impacto
ela vem às terças e sextas
me ajuda a recuperar os movimentos
é otimista
diz que logo poderei andar
fala das correntes elétricas
que são enviadas pelos neurônios
os meus parecem não obedecer
confusos, não encontram o músculo sartório
sinto muita dor
mas quando ela aparece
digo que está tudo bem, que não sinto nada
acho que passei a ser estenotérmico
20 novembro, 2012
O balseiro
Cabe a mim transportar as pessoas ao longo do rio
a travessia
milhares de homens
assim os dias transcorrem
para eles, talvez
o rio represente um estorvo
algo para transpor
atravessar para seguir seu rumo
todos indo em frente
seguindo sua própria correnteza
mas o rio se opõe
tenho a incumbência de ajudá-los a vencer o obstáculo
um dia ela chegou
atravessou o rio
foi embora
mas seu perfume ficou
29 outubro, 2012
Endimião
Ela é louca
e gosta de ser assim
mas fala que eu é que sou o louco
devo ser, para estar com ela
ao invés de intervir
dou risada e estimulo ela ir além
essa sua vocação me assusta, mas é isso que gosto nela
e assim, resolvemos nos embriagar no café da manhã
somos uma pipa sem linha
ninguém sabe onde tombaremos
o ar atmosférico se desloca
até perder de vista o papagaio
fumamos um cigarro na janela
nossos corpos nus transpiram em júbilo
ela fala que à nossa frente está Tóquio
eu não tenho opção e acato ao seu delírio
18 outubro, 2012
Infecção
Tenho febre e dificuldade para respirar
estou tomando antibióticos
mas sinto que seus efeitos são nulos
estou sem apetite
expectoração com sangue
convulsões e náuseas
e lá vem essa tosse novamente
me deixa sem ar
a enfermeira mente para mim
vejo nos olhos dela
pela nossa convivência aprendi tudo
mesmo assim ela insiste em não dizer a verdade
ela inventa sobre o que fez a noite passada
sobre o que vai fazer no final de semana
por que não ser sincera?
se vai tudo acabar mesmo
17 outubro, 2012
Fuga
O telefone na caixa postal
mensagens sem retorno
ela estava atrasa
e eu não tinha notícias dela
da rua dava pra ver
a luz do seu quarto estava apagada
não aguentei e acendi um cigarro
não aguentei e saí do carro
de repente
sinto suas mãos frias a vendar meus olhos
me volto e pergunto onde estão suas malas
ela me diz que não precisa delas
um bilhete pregado por um imã na geladeira
o carro da a partida
vamos deixando o mundo para trás
sentindo apenas o vento bater em nossas almas nuas
15 outubro, 2012
Rosa
Ela não sabe
que estou observando-a
em silêncio, a espreita
pronto para atacá-la
mas ela não é a presa
sou eu quem estou na teia
minhas asas sempre voam para ela
em busca do seu doce veneno
já comentei aqui sobre a lei da gravidade?
pois bem, sou um satélite
em busca de seus sinais de transmissão
bzzzzzzzzz!
como as abelhas
que vivem sempre a girar e a girar
delírio? deve ser
em espiral
11 outubro, 2012
Idiota
Ah, São Petersburgo
abriga-me de uma vez por todas
e faça com que ela
me acolha entre suas coxas
a epilepsia nem é tão ruim
comparada com a ausência dela, que me castiga
às vezes preciso me dopar
para que minha imaginação se turve
quero arrancar toda a bondade represada em mim
não vale a pena
achei que o sanatório tivesse me curado
desse mal em acreditar na humanidade
não sou de prender ninguém
mas queria poder guardá-la para mim
podemos fingir que dará certo
pelo menos hoje
10 outubro, 2012
Atmosfera
A baixa
umidade relativa do ar
não está me
fazendo bem
nos dias de
Estado de Alerta meus olhos ficam irritados
meu nariz
sangra
uma frente
subtropical
está inibindo
as precipitações
a meteorologia
errou
em outras regiões
está chovendo granizo
a
interferência gravitacional da Lua
está
alterando o nível da água dos mares
a ressaca
levou um jovem distraído
seu corpo
ainda não foi encontrado
escuto essas
notícias no banco de trás do meu carro
meu suor
pinga sobre as desnudas curvas dela
ela grita
baixinho
para que as
pessoas que passam não escutem
07 outubro, 2012
Chumbinho
Neste final de semana vou buscar as crianças
tenho direito a vê-los
num final de semana sim outro não
às vezes troco o sim e o não
me separei faz cinco anos
sou alcoólatra
batia nela
um dia cheguei e tinha um bilhete
estou levando o Pedro e a Rita
cansei
tinham alguns borrões na carta
pareciam lágrimas
sinto falta dela
dói
bato no peito para ver se pára
mas, com o passar dos dias, parece piorar
05 outubro, 2012
Samsara
Sou capaz de renunciar tudo
assim como Buda
ver o mundo para além dos muros do palácio
buscar a iluminação para
a minha alma
mas que budista sou eu?
que quando estou longe dela
um tormento me consome
uma angustia me domina
para mim o mundo material nada representa
posso morar na rua
ficar sem comida
doar tudo o que tenho para a caridade
mas sem ela eu não posso
quando suas unhas cravam em minhas costas
e o seu cheiro adormece em minha cama
é que consigo chegar ao nirvana
O efeito Charlotte
Ela vai me deixando palavras
como migalhas
que eu vou seguindo
cercado de muros cada vez mais altos
que labirinto intrincado!
ela me encanta com uma magia incomum
corre e escapa
eu corro e não consigo alcançá-la
meu espirito errante
alimentado de paixões improváveis
depara-se novamente com essa estrada
por onde vai descarnando minha sordidez
me sinto inquieto
como o jovem Werther
tento ninar minha desditosa alma
mas já estou entregue
01 outubro, 2012
Aldebarã
Faz dois anos que ela partiu
morreu num acidente bobo
foi levada numa enxurrada
seu corpo só foi resgatado após três dias
nossa filha agora tem doze anos
outro dia encontrou o baralho de tarô que pertenceu a mãe
impressionante
parecia que era a própria quem estava a dar as cartas
não consigo mais me apaixonar
enjoo fácil das pessoas
minha menina parece que também
até largou as aulas de piano e ballet
nas minhas noites de insônia
tento encontrá-la junto com as Híades
colocadas por Zeus na constelação de Taurus
mortas de tanto se verterem em lágrimas
11 junho, 2012
Juízo perdido
Vinha em minha direção
fiquei parado, ao invés de me anunciar
quando ela me viu segurou o sorriso
contraindo alguns músculos do rosto
acenou
acelerou os passos
fechou o guarda-chuva de bolinhas
e me beijou
odeio esse tempo,
disse ela olhando para o céu
e bateu em seu casaco roxo
para espantar os pingos d’água
eu estava inconsciente
entorpecido pela sua beleza primaveril
pelo seu perfume de cereja
e pelas suas mãos frias que eu insistia em aquecer
26 fevereiro, 2012
Tirésias
Final de mês é terrível
poderíamos ir a um drive-in
ela deu com os ombros e inclinou a cabeça
entendi como um sim
ao amanhecer
gastei mais com o café do que na noite anterior
perguntei onde morava
ela disse que poderia deixá-la no metrô. não insisti
minha fotofobia estava aguçada
a claridade onipresente
o sol estava à minha esquerda
me obrigando a fazer uma aba com a mão
projetei a sombra de tal forma
que eclipsou o caminhão da faixa ao lado
o impacto fez com que o vidro se estilhaçasse
em milhares de pedacinhos
30 janeiro, 2012
A bailarina
Ela quis me mostrar como fazia
sentou-se no chão em posição de pirâmide
fechou os olhos
respirou fundo
com o impulso das pernas
e fazendo das costas uma gangorra
girou o seu corpo horizontalmente
até deixar seu corpo de bruços
o chão - composto por tacos de madeira -
emoldurava sua silhueta
a luz incandescente do abajur compunha o cenário
com o corpo ainda imóvel ergueu a cabeça e sorriu
na vitrola, era Suzanne Vega quem rodopiava
agora você, disse ela
eu, para não dizer não, sorri
e completei: treinarei um pouco em casa
agora você, disse ela
eu, para não dizer não, sorri
e completei: treinarei um pouco em casa
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